Mulato de seus 70 anos, chapéu
de palha na cabeça, Lá estava ele sentado naquele ônibus lotado vindo da baixa
do Bonfim repleto de pagadores de promessas e tantas outras pessoas que ali
foram para curtirem a lavagem das escadarias da igreja do Bonfim pelas baianas
paramentadas com suas ricas prendas, a espalharem água de cheiro por todo lado,
tudo isso ao som dos atabaques dos grupos de capoeiristas, ao lado de políticos
a darem adeusinhos para os circunstantes. Eu estive lá nas escadarias e roguei
muito mesmo pela Paz naquela multidão de fiéis.
O papo começou quando uma baiana
da bunda grande tentou chegar até à frente do coletivo para encontrar melhor
posição para saltar na parada do Largo do Tanque, o que a muito custo
conseguiu, sem antes criar o maior rebu entre os passageiros que se espremiam
adoidados para que a matrona bunduda atravessasse aquele mundão de braços,
pernas, sacolas e tudo o que era bugiganga, mães com crianças de todas as
idades, causando o maior arerê no carro que tinha ponto final no Iguatemi, após
passar por vários bairros. Afinal aquele era um dia diferente dos outros em que
os coletivos tiveram que mudar suas rotas e fazerem os maiores desvios para
atenderem à população.
Apesar da sua face enrugada o Seu
Zé carpinteiro, nos seus 70 e poucos anos, sentado ao seu lado, observava que
ele se mantinha interessado em tudo o que se passava à sua volta, quanto então
lhe perguntei: “E aí estais gostando da festa da lavagem deste ano? E o mesmo
sem demonstrar grande entusiasmo, disse:” Para mim, não faz diferença alguma,
pois entra ano e sai ano e tudo acontece da mesma forma, venho apenas para
cumprir uma tradição que já tenho desde a minha juventude “. e contou que tinha
como profissão carpinteiro, porém por muitos anos trabalhou como magarefe,
açougueiro no matadouro do Retiro, onde a cada dia seu grupo tinha que esfolar
cerca de 30 bois. Aquilo ali é o que era verdadeira batalha, de derrubar o bicho
com uma marretada na cabeça, chopar o animal e ver o sangue escorrer aos
borbotões, para a seguir colocá-los nos ganchos, tirar-lhes o couro sem
estragar a peça (que iria para o curtume) e, de imediato, esquartejá-los para
que os ajudantes os colocassem nos caminhões para distribuição nos açougues de
Salvador. O matadouro do Retiro era muito afastado do centro da cidade, era
necessário fazer verdadeira viagem de bonde, por dentre os encharcados que
permeava toda a região, irrigada pelo rio das tripas, que jogava suas águas
naqueles baixios entre o bairro do IAPI, Cabula, e Rótula do Abacaxi”.
“Velho amigo, de carne eu
entendo... com uma faca boa, uma Colinis bem afiada, eu esfolava um boi em
menos de 20 minutos, He he He”.
Meu caro amigo, o que nós
passamos para viver é muita história, eu só sei, que a carne é fraca meu velho
“, nada dessas festanças duram muito nas nossas vidas, quando se está novo tudo
bem, é só alegria, contudo quando a idade vai chegando, o corpo vai se
quebrando, e assim babau”; e pediu licença e foi saltando no ponto do mercado
das Sete Portas, onde iria fazer sua feira...
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